Arquitetura e Economia Circular: uma parceira urgente
Começo pela tomada de consciência. As alterações climáticas são uma responsabilidade de todos! E por isso, precisamos chegar a soluções globais e específicas em cada um dos diferentes setores que contribuem para este fenómeno. Sabemos que, desde a Revolução Industrial, o homem adquiriu a capacidade de consumir e produzir em massa, com base num modelo linear: “produzir, consumir e descartar”, ignorando os impactes negativos no planeta. E o Ambiente não pode suportar mais as práticas tradicionais de um modelo económico linear.
Atualmente, os recursos naturais são extraídos a taxas completamente insustentáveis. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) a extração de matérias-primas mais do que triplicou nos últimos 40 anos. Aliado a um pico no crescimento populacional (espera-se que a população global supere os 9 bilhões até 2050), a humanidade está a consumir a um ritmo alarmante!
Uma estratégia de economia circular, poderia ser adotada no mundo da arquitetura?
Deveria ser, já que os números apontam para isso. Segundo um relatório de 2014 divulgado pela CE, a construção e uso de edifícios na UE representam 40% do uso final de energia, 35% das emissões de gases com efeito estufa, 50% de todo o material extraído, 30% do uso de água e 35% de todos os resíduos gerados. O facto, é que a economia circular, nunca esteve na agenda dos arquitetos, pois são fatores como o cronograma e requisitos de orçamento, que assumem importância na criação de um edifício. Agora, com o esgotamento acelerado de recursos, torna-se cada vez mais relevante pensar em todo o processo, com base numa economia circular. As decisões dos arquitetos podem criar um efeito cascata rumo à sustentabilidade em toda a indústria da construção.
A economia circular é uma abordagem regenerativa de ciclo fechado, transformando o modelo de ciclo aberto de: “produzir, consumir e descartar”, para “produzir, consumir e valorizar”. O arquiteto deverá assumir esta premissa nos seus projetos, contribuindo para que todas as entidades da cadeia produtiva, se tornem mais prósperas. Pelo que, o arquiteto ao projetar, deve começar pelo fim, prevendo como o edifício que projeta poderá ser reutilizado (readaptando-o para outro fim) e/ou desconstruído quando chegar ao fim da sua vida útil. O edifício, estará assim preparado para iniciar um novo processo de readaptação, ou ligado à gestão de resíduos, de forma a possibilitar a valorização da maior quantidade de materiais possível.
A União Europeia exige que 70% do material de demolição não acabe em aterro. Mas na verdade, a percentagem é bem menor. Um relatório da Comissão Europeia admite: «Enquanto alguns países enviam apenas 6% para aterros, outros enviam cerca de 54% do material de demolição.»
Quando praticada corretamente, a reciclagem e valorização de materiais num circuito fechado pode aumentar a vida útil de um produto e de um edifício, tornando-o muitas vezes, infinitamente regenerativo.
Mas, o maior obstáculo que o setor enfrenta rumo à sustentabilidade, é cultural: a falta de conhecimento dos arquitetos para reciclar na arquitetura, para além dos produtores de materiais, e dos próprios utilizadores. Quer seja por falta de informação ou simplesmente por falta de interesse, os edifícios continuam a ignorar os critérios recomendados pela União Europeia. Outro fator contra, é o tempo que é necessário para garantir que os materiais sejam descartados adequadamente. As empresas tendem a economizar este tempo utilizando os métodos mais fáceis, como o descarte a granel, para atingir os seus objetivos, o que leva a um planeamento inadequado para o desvio de resíduos.
Além de que, o processo de demolição convencional, descarta todos os resíduos ao mesmo tempo. Desta forma, os materiais são frequentemente contaminados por outros resíduos, arruinando a possibilidade de os reciclar. Por exemplo, o isolamento em lã mineral é frequentemente retirado em bocados e misturado com outros materiais durante o processo, negando-lhe a possibilidade de reciclagem que lhe é intrínseca.
Adotar e implementar este modelo de economia circular na arquitetura, poderá resolver muitos dos problemas atuais emergentes, com benefícios imediatos e a longo prazo. Como pudemos ver, o setor da construção é grande o suficiente para ser considerado estratégico na conceção de políticas sustentáveis, especialmente em termos de uso de recursos limitados e gestão de RCD. Ao reduzir a dependência de recursos externos, um nível mais alto de inclusão social e justiça seria teoricamente alcançada em todos os níveis, especialmente entre diferentes gerações.
Na construção, a economia circular significa edifícios que podem ter usos evolutivos e onde os materiais podem ser reutilizados. O cenário ideal seria construir edifícios modulares, económicos e eficientes, podendo ser ampliados ou ter outros usos no futuro. Mas ainda há muito a fazer…
Embora a adoção da Economia Circular seja uma questão urgente para a arquitetura, é ainda necessário alterar muitos pressupostos. É preciso fabricar materiais que possam ser reutilizados, projetar edifícios que possam ter uma segunda vida e implementar práticas de demolição de acordo com os padrões de sustentabilidade estabelecidos pela União Europeia.