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O que espera a Europa dos Arquitectos?

Posted on Mar 29, 2021 in INICIO |

Marlene Roque

Arquiteta, Perita em Certificação Energética dos edifícios pelo sistema SCE

“Tempos de renovação do pensamento dos arquitectos e urbanistas esperam-nos (aliás, já chegaram)!”

Em Novembro de 2016, a Comissão Europeia apresentou o Pacote «Energia Limpa para todos os Europeus», doravante Pacote Energia Limpa, composto por um conjunto de propostas legislativas nos domínios da eficiência energética, energias renováveis e mercado interno de energia eléctrica, com vista à promoção da transição energética nas próximas décadas, tendo em vista o cumprimento do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e o aquecimento global do planeta.

Neste contexto, a União Europeia aprovou um conjunto de metas que visam alcançar, em 2030, uma quota de energia proveniente de fontes renováveis, um aumento da eficiência energética, uma redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) relativamente aos níveis de 1990 de 40 %, promovendo, em simultâneo, a competitividade, a modernização e a sustentabilidade do sistema energético no plano europeu.

Nesse sentido, Portugal assumiu o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050 mediante a aprovação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Em Portugal vigora também desde 1 de Janeiro de 2021 o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) que estabelece as metas e objetivos para a redução da intensidade carbónica e a promoção da renovação energética do parque imobiliário, com particular atenção para o objectivo da implementação do conceito de Nearly Zero Energy Buildings (NZEB) na construção dos edifícios novos e na renovação dos edifícios existentes.

Tempos de renovação do pensamento dos arquitectos e urbanistas esperam-nos (aliás, já chegaram)! Mudanças assentes nos princípios correctos e adequados às necessidades dos nossos EDIFÍCIOS. O parque edificado nacional existente (em particular o período de construção 70-99) reflete uma construção emergente de fraca qualidade técnico-construtiva, que se multiplicou respondendo ao programa social-politico, precário e desinteressante, fachadismos despidos, mudos da dinâmica dos ventos, cegos ao sol de sul e asmáticos da qualidade do ar interior resultando numa evidente… Pobreza energética, gerando fraca qualidade de vida para os habitantes dos mesmos. Mais de 220 milhões de edifícios, representando 85% do parque edificado da União Europeia, foi construído antes de 2001. E 85-95% dos edifícios construídos e activos hoje manter-se-ão habitáveis em 2050.

O Pacto Ecológico Europeu identificou a renovação dos edifícios, públicos e privados, como uma iniciativa-chave para impulsionar a eficiência energética no sector e cumprir os objectivos de descarbonização.

A grande maioria deste parque edificado NÃO é energeticamente eficiente. Alguma parte destes edifícios apoiam-se em combustíveis fósseis para aquecimento e arrefecimento do ar interior e usam tecnologias e sistemas pouco eficientes. Mais acresce que sendo os edifícios pobres energeticamente, grande parte da energia utilizada para criar conforto no interior dos edifícios é desperdiçada/perdida, pela incapacidade dos edifícios de a manter!

A pobreza energética consegue ser quase extrema sobretudo nos países do sul da europa e por isso o maior desafio que espera os europeus, em particular os actores principais (arquitectos, urbanistas, promotores) está em intervir proactiva e muito conscientemente em cada momento de participação (encomenda, projecto, construção e manutenção durante o ciclo de vida dos edifícios) porque grande parte dos edifícios existente perdurará em média por 50 anos. Por estas razões, a construção de um parque edificado europeu, remodelado e melhorado, configura-se como peça fundamental para um sistema de energia descarbonizado e limpo.

A crise COVID-19 catapultou as evidências já conhecidas mas agora vividas na primeira pessoa pelos próprios, enfatizando patologias resultado de uma maior permanência e revelando as fragilidades das construções. Ficaram a nu ao vivermos mais intensivamente no interior dos nossos edifícios!

As casas acumularam várias funções e simultâneas! Alguns dos efeitos da pandemia podem continuar a longo prazo, criando novas directrizes nos edifícios que projectamos e o seu perfil de energia e recursos, aumentando ainda mais a necessidade de renová-los profundamente e em grande escala. 

Enquanto a Europa procura superar a crise COVID-19, a renovação oferece uma oportunidade única de repensar, redesenhar e modernizar os edifícios para torná-los adequados a uma sociedade mais verde e digital e sustentar a recuperação económica.

 Eficiência Energética e Descarbonização

 O artigo 2.º-A da Diretiva 2010/31/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 2010, na sua redação actual, determina a obrigação de cada Estado-Membro estabelecer uma estratégia de longo prazo para apoiar a renovação, até 2050, do parque nacional de edifícios residenciais e não residenciais, públicos e privados, para o converter num parque imobiliário descarbonizado e de elevada eficiência energética, facilitando a transformação dos edifícios existentes em edifícios NZEB, incluindo um roteiro com medidas e objectivos indicativos para os horizontes de 2030, 2040 e 2050, e a respectiva ligação ao cumprimento dos objectivos europeus de eficiência energética e redução da emissão de GEE.

Neste sentido foi desenvolvido um modelo bottom-up do parque nacional de edifícios existentes, assente na informação de 240 650 certificados energéticos emitidos no âmbito do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE). Neste universo, foram consideradas 30 tipologias de edifícios residenciais nas diversas regiões climáticas e oito tipologias de edifícios não residenciais, caracterizados pela geometria dos edifícios, pelas soluções construtivas da envolvente, pelos sistemas de climatização e pelos sistemas de produção de águas quentes sanitárias (AQS).  

Foram ainda especificados perfis de ocupação e de utilização de iluminação e equipamentos de forma a quantificar consumos de energia próximos do real, sendo que o conforto e as necessidades energéticas desses arquétipos foram determinados com recurso a modelos de simulação dinâmica horária. 

Com base nesta avaliação detalhada foram definidos e quantificados pacotes de medidas de melhoria avaliados como tecnicamente viáveis, considerando o mercado atual para cada tipologia, tendo em conta a sua especificidade e localização geográfica. Estes pacotes de medidas preveem a atuação na envolvente do edifício, através de isolamento térmico das fachadas e cobertura e janelas mais eficientes, a substituição dos sistemas existentes por sistemas mais eficientes, como bombas de calor, chiller, recuperador de calor, entre outros, e a promoção de energia de fontes renováveis, como painéis solares térmicos e fotovoltaicos.

Descarbonizar, descarbonizar, descarbonizar.

A fim de atingir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris – limitar o aumento da temperatura média global abaixo do limite de 2 ºC – é portanto urgente aumentar significativamente a taxa e profundidade das renovações do parque edificado existente e a produção de energia renovável.

São estes os 2 principais eixos para o parque edificado já existente! Um ambiente construído com neutralidade carbónica começa com o projecto e o planeamento. 

Reabilitar e tornar os edifícios energeticamente mais eficientes potencia o alcance de múltiplos objectivos, designadamente, a redução da fatura e da dependência energética do país, a redução de emissões de gases com efeito de estufa, a melhoria dos níveis de conforto e qualidade do ar interior, o benefício para a saúde, a promoção da produtividade laboral, o combate à pobreza energética, a extensão da vida útil dos edifícios e o aumento da sua resiliência. A renovação energética promove ainda melhorias noutras dimensões do desempenho dos edifícios como a eficiência de recursos, em particular os recursos hídricos, pela forte ligação com o respetivo consumo energético, assim como constitui um importante contributo para a resiliência climática dos edifícios, das cidades e, por consequência, do próprio país. 

Privilegiar a eficiência energética numa perspectiva mais ampla e promovendo as fontes renováveis de energia, assume particular relevância e prioridade, objectivo para o qual a ELPRE visa assegurar uma resposta efectiva, tendo como racional a transformação do parque nacional de edifícios existentes em edifícios com necessidades quase nulas de energia (NZEB, de Nearly Zero Energy Buildings), sem descurar outros desafios prioritários e relevantes, designadamente, a melhoria das condições de vida, o impacto económico, a criação de emprego e o cumprimento das metas de energia e clima. Assume particular relevância que a renovação dos edifícios considere ainda a melhoria do seu desempenho ambiental, a adoção de princípios de circularidade, de eficiência de recursos, a utilização de materiais reciclados e de base biológica e a promoção de estruturas verdes, designadamente em fachadas e coberturas.

Em suma é necessário desenvolver e implementar uma estratégia de longo prazo que permita promover a renovação de edifícios, contribuindo para um aumento da eficiência energética do parque edificado e alterando o paradigma das últimas décadas, centrado unicamente na construção nova, e contribuir para um aumento da qualidade do parque edificado existente, cada vez mais necessitado de uma intervenção urgente que melhore significativamente os níveis de conforto das populações, reduzindo assim a pobreza energética e gere ganhos em termos de eficiência energética. 

A renovação energética do parque nacional de edifícios existentes configura-se como medida fundamental para o cumprimento dos objetivos nacionais em matéria de energia e clima, constantes do PNEC 2030 e do RNC 2050, assim como para o cumprimento de outros objectivos estratégicos, designadamente o combate à pobreza energética e o relançamento da economia por força da situação epidemiológica causada pela doença COVID -19.